COLABORADOR: RENAN DA SILVA
Antena ligada
Lourenço Diaféria
Troquei meu televisor preto-e-branco por um televisor em cores com controle
remoto, para facilitar a vida de meus filhos, que agora, sabe como é, época
de provas, estão se virando mais que pião na roda. Imaginem que
outro dia um professor teve a coragem de mandar meu filho gavião-da-fiel
fazer um trabalho sobre o Sócrates.
Fiquei uma arara.
Em todo caso apanhei a revista Placar e recomendei que o garoto consultasse
os arquivos esportivos da Folha e do Jornal da Tarde. Não é por
ser meu filho, mas o guri caprichou do primeiro ao quinto.
Tirou zero.
Puxa, assim também é demais. Resolvi levar um papo com o professor,
ver se não era perseguição. O professor foi muito gentil,
porém ninguém me tira da cabeça que ele é palmeirense
disfarçado de são-paulino. Garantiu-me que havia ocorrido um
equívoco. O Sócrates que ele queria é um craque de redonda
que tomou cicuta. Essa é boa. Por que não avisou antes? Como é que
vou adivinhar que o homem jogava dopado?
Me manquei, mas o professor percebeu meu azedume. Disse que ia dar uma nova
oportunidade. Falou, eu disse.
Preveni meu garoto que ficasse de orelha em pé, lá vinha chumbo.
Dito e feito. O professor, deixando cair a máscara alviverde, deu uma
de periquito campineiro e pediu um trabalho completo sobre o Guarani.
Deixa que eu chuto, falei a meu filho. Pode contar comigo na regra de três.
Eu mesmo cuido da pesquisa.
Peguei a escalação completa do Guarani, botei o Neneca no gol,
fiz a maior apologia do time da terra das andorinhas. Pra me cobrir e não
deixar nenhum flanco desguarnecido, telefonei pro meu amigo Antonio Contente,
que transa em assuntos culturais e conexos (como seja a imprensa), e pedi por
favor que me mandasse uma camisa oito autografada. Diretamente de Campinas
e no malote.
Não é pra falar, mas o trabalho escolar ficou um luxo.
Sem falsa modéstia, estava esperando pro meu filho no mínimo
aprovação cum laude e placa de prata, pra não dizer medalha
de honra ao mérito.
Pois deu zebra.
Começo a desconfiar que o homem me armou uma arapuca e entrei fácil,
como um otário. O homem deve ser primo do Dicá. Sabem o que o
mestre fez? Hem? Querem saber? Deu outro zero pro meu filho. O pior é que
não devolveu a camisa oito autografada.
Essa eu não deixei barato. Fui de peito aberto, às falas.
Ilustre – eu disse – com o perdão da palavra, mas que diabo
de safadeza vossa senhoria anda arrumando pro meu garoto gavião-da-fiel?
Então eu perco tempo, pesquiso, consulto a história gloriosa
da equipe campineira, faço a maior zorra com o time do Brinco da Princesa,
e o garoto ganha cartão vermelho?
Que grande cínico! O homem me olhou com aqueles olhos de olheiras – acho
que tem almoçado e jantado mal, sei lá, dizem que professor padece
um bocado – coçou a cabeça, murmurou:
Foi o senhor quem fez a lição?
Fiquei meio sem jeito:
Bem, fazer não fiz. Dei uma orientação didática.
Pai é para essas coisas...
Ele não se comoveu. Ao contrario, foi até rude:
Se aceita um conselho, pare de dar palpite na lição de casa de
seu filho. O senhor não conhece nada do Guarani.
Falar isso na minha cara! Tive de agüentar calado. Nunca soube que no
diacho do time campineiro figurasse a dupla de área chamada Peri e Ceci.
E com essa constante mudança de técnicos, como podia sacar que
o técnico atual é o Zé de Alencar?
Tá bem – eu disse – não vamos brigar por tão
pouco. O professor pode dar outra colher de chá ao menino?
Deu. O professor quer agora os capítulos completos de um romance, por
coincidência com o mesmo nome do time de Campinas: O Guarani. É qualquer
coisa com índio sioux que de repente se vê obrigado a salvar uma
mulher biônica das águas da enchente. Deve ser telenovela em cores.
Mas só para complicar a vida do meu filho, o professor não revelou
o horário. Porém desta vez ele não me ferra. Pela dica
do enredo que deixou escapar, deve ser mais uma dessas sucessões de
cenas de violência que a gente é obrigado a engolir todas as noites
na televisão. Estou de antena ligadona, meu chapa.